Reportagem

Por que empreendimentos de uso misto são vistos como solução para o futuro das cidades

Cada vez mais, os planos para o desenvolvimento buscam criar ambientes que relacionem negócios e habitação.

26 de Julho de 2023

As contantes transformações globais pelas quais as comunidades e as cidades estão passando impõem um "ajuste de contas" na busca pela manutenção da relevância de muitos centros comerciais ao redor do mundo. 

Construídos com base em hábitos de décadas, edifícios corporativos em regiões estritamente comerciais sofreram grandes mudanças nos últimos anos. A evolução das necessidades das empresas e a forma como as pessoas pensam sobre saúde, bem-estar e equilíbrio entre as vidas profissional e pessoal estão alterando algumas características antes vistas como consolidadas.

Nesse cenário, as cidades estão reagindo de uma forma simples: otimizando "blocos" de edifícios para criar bairros agradáveis de utilização mista que promovam comunidades mais conectadas e centradas nas pessoas. Da Grã-Bretanha à Austrália, de Singapura a Nova Iorque, as cidades estão encontrando formas de melhorar e diversificar os seus bairros.

Tomemos como base para análise o One Bangkok, na Tailândia. O extenso distrito pretende incluir novos escritórios, um bairro focado em varejo, casas e hotéis de luxo, além de uma arena de entretenimento e muitos espaços verdes abertos, todos com fácil acesso ao sistema de transportes público.

"Foi concebido como o ponto focal urbano, com ênfase no bem-estar, na sustentabilidade e na tecnologia inteligente", afirma Phil Ryan, diretor de City Futures e Global Insight da JLL. "Este é o tipo de distrito comercial e residencial integrado que estamos começando a ver em cidades de todo o mundo."

Trata-se de um contraponto às infra-estruturas envelhecidas, ao estoque de edifícios obsoletos e ao desejo das pessoas de encurtarem os seus deslocamentos que estão aumentando, de acordo com o relatório da JLL Future of the Central Business District Report (conteúdo em inglês). "Os distritos comerciais precisam se transformar, deixando de ser essencialmente locais de trabalho para se tornarem destinos vibrantes, ricos em amenidades e polivalentes, com um maior enfoque no ESG", explica Ryan.

Criando lugares habitáveis

A separação de quarteirões com a inclusão de praças públicas, ciclovias e corredores de biodiversidade cria um melhor acesso aos diferentes espaços da cidade anteriormente densos, enquanto a redução do tráfego ajuda a melhorar a qualidade do ar.

No Reino Unido, a remodelação de Birmingham Smithfield no valor de 634 milhões de dólares criará espaços públicos e empreendimentos comerciais, além de 2.000 novas habitações, conectados  por novas ruas verdes que dão prioridade aos pedestres e ciclistas. Será necessário implementar progressivamente uma nova rede de ruas sobre o que foi outrora o local de um grande mercado. Isto também permitirá que o local seja desenvolvido em quatro fases, proporcionando uma flexibilidade financeira e logística adicional.

"Deslocamentos mais ativos melhoram o bem-estar, enquanto as empresas locais se beneficiam do aumento da presença de pessoas na região", comenta Walid Goudiard, diretor de Projetos e Obras da JLL para EMEA. "Ter espaços exteriores mais verdes e mais atrativos também cria oportunidades para uma maior interação ao nível da rua, como refeições ao ar livre."

O West Side Place, em Melbourne, por exemplo, utilizou esta estratégia com grande eficácia, demolindo uma antiga sede de jornal que se estendia por todo o quarteirão da cidade. O novo recinto apresenta quatro torres que reúnem dois hotéis, um centro de negócios e uma com quase 3.000 apartamentos. Os espaços de lazer incluem parques e jardins, todos ligados por uma nova "via" comercial central.

Construindo conexões

Para governos locais com restrições de dinheiro, melhorar a conectividade de trânsito é fundamental, mas pode significar explorar uma série de opções de financiamento. Por exemplo, o redesenvolvimento bem-sucedido da antiga Battersea Power Station, em Londres, “dependia da infraestrutura, então um modelo de aumento de impostos público/privado foi usado para financiar a extensão do metrô e a nova estação”, diz Ryan.

O setor público contraiu empréstimos, com reembolso financiado em um período de 25 anos pelo setor privado, usando taxas de negócios adicionais da “zona empresarial” e contribuições garantidas por desenvolvedores. Em outros lugares, as restrições do local específico, os regulamentos de governança local e a falta de uma visão geral podem prejudicar o progresso.

“A comunicação e o planejamento físico e financeiro cuidadosos são vitais para evitar oportunidades perdidas”, analisa Ryan. “As pessoas encarregadas de construir infraestrutura de transporte devem estar alinhadas com os objetivos imobiliários.”

Desbloqueando o potencial por meio de parcerias

Até agora, o foco de muitas partes interessadas tem sido a maneira mais rápida de maximizar o retorno do investimento financeiro. Mas Goudiard diz que isso está começando a mudar à medida que as parcerias são redefinidas no setor imobiliário. “No passado, as coisas eram muito transacionais. Agora estamos começando a ver uma reformulação das relações, à medida que autoridades locais, investidores, desenvolvedores e ocupantes trabalham de forma mais próxima”.

Em parte, isso se deve ao fato de as autoridades locais mais ambiciosas tornarem condições como habitação acessível e fontes de energia renováveis ​​parte de suas licenças. Goudiard aponta para Paris como um exemplo de um grande plano atual em desenvolvimento. O objetivo é alcançar emissões líquidas zero de carbono até 2050, ao mesmo tempo em que melhora as condições socioeconômicas dos residentes da cidade com melhores infraestruturas de habitação, energia e transporte.

A pressão das partes interessadas significa que os investidores também estão começando a considerar os fatores de valor ambiental e social à medida que buscam causar impacto com imóveis responsáveis. “Vale a pena considerar os cenários potenciais de longo prazo para crescimento em um horizonte de tempo de 10 a 20 anos, pois esses esquemas em fases apresentam oportunidades para aquisição, desenvolvimento, reposicionamento, conversão, modernização e melhorias de capital direcionadas”, aborda Ryan.

Isso não acontecerá da noite para o dia, mas Goudiard está esperançoso com esse modelo em evolução, que busca atender às mudanças nas demandas de residentes e ocupantes. “No futuro, projetos urbanos ambiciosos e de uso misto com diversos quarteirões, espaços verdes e mobilidade aprimorada gerarão retornos premium, graças ao seu apelo e valor sustentáveis”, diz ele.